
Inteligência Artificial ou O Golem Moderno
- hiagocordioli
- 13 de set.
- 2 min de leitura
Na tradição mística judaica, existe uma lenda de que o rabino Judah Loew ben Bezalel, o Maharal de Praga, no século XVI, teria moldado um corpo de barro nas margens do rio Moldava e, através de rituais cabalísticos, inscreveu na testa do corpo a palavra “emet” (אמת) — que em hebraico significa “verdade”.
Este ato deu vida à criatura, que ele chamou de “Golem” (que significa “tolo", "imbecil", ou "estúpido"). Ele era forte, obediente e não falava, mas seguia fielmente as ordens do rabino. Segundo a lenda, ele criou o Golem para proteger a comunidade judaica de Praga contra perseguições e acusações infundadas, como os falsos libelos de sangue.
No entanto, como muitos mitos sobre criações humanas que ganham vida — de Prometeu a Frankenstein —, o Golem passou a representar um risco: quanto mais poder recebia, mais incontrolável se tornava.
Com o tempo, a criatura começou a agir de forma violenta, destrutiva, e já não distinguia proteção de ataque. Em algumas versões, ele enlouquece por não poder amar, ou por não ter alma. Em outras, apenas segue ordens literalmente, sem senso de proporção, o que já basta para torná-lo perigoso.
Temendo pela segurança da cidade e de sua própria comunidade, o rabino decidiu desativar a criatura. Para isso, apagou a primeira letra da palavra “emet” (אמת), transformando-a em “met” (מת) — que significa “morto”. Ao perder o “alef” inicial, o Golem colapsa, voltando a ser apenas barro.
É difícil não ver um paralelo com os debates atuais sobre Inteligência Artificial.
Hoje, construímos algoritmos que aprendem, tomam decisões, escrevem textos, fazem diagnósticos, criam imagens e até compõem músicas. Ferramentas poderosas, que, como o Golem, carregam potencial para o bem — e também para o caos, caso escapem da supervisão humana.
A IA não é feita de barro, mas de dados. Não é animada por palavras sagradas, mas por códigos e parâmetros. Não protege vilarejos, mas organiza sistemas inteiros de consumo, justiça, finanças, saúde e segurança. E ela não é tola como o Golem - que não falava, nem pensava por si - ela é inteligente, criativa, adaptável, autônoma.
Assim como o Golem, a IA é um espelho do seu criador. Seus limites morais são os nossos. Seus riscos nascem da nossa omissão, arrogância ou desatenção.
Estamos alimentando sistemas cada vez mais potentes, que tomam decisões em frações de segundo, aprendem com o mundo e, em muitos casos, escapam à compreensão até dos seus próprios criadores.
A história do Golem nos lembra que toda criação precisa de freios. A Inteligência Artificial, diferente do Golem, não é burra. Mas justamente por isso, pode ser ainda mais perigosa.
Nos perguntamos, então: onde está o nosso “met” (מת)? Quais “letras” ainda podemos apagar para conter o que criamos? Será que teremos tempo? Ou chegaremos ao ponto em que nada mais poderá deter uma criação que superou seus limites éticos, sociais e existenciais?
Será que estamos escrevendo “emet” na testa de algo que não poderemos mais apagar?
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