top of page
Buscar

Privacidade na era da hipervigilância

  • hiagocordioli
  • 21 de jul.
  • 2 min de leitura
ree

Na última semana, dois casos de traição conjugal viralizaram nas redes sociais e escancararam o dilema da privacidade na era da hipervigilância digital.

O primeiro ocorreu no Rio Grande do Sul. Uma esposa, ao descobrir múltiplas traições do marido, decidiu expô-lo diante de sua família. A cena, registrada por um dos parentes e publicada nas redes sociais, rapidamente se espalhou pela internet. A vítima da exposição buscou na Justiça a remoção do conteúdo. No entanto, o pedido foi indeferido. O juiz entendeu que, uma vez o conteúdo se tornando público e viralizado, não haveria meios eficazes de removê-lo da internet. A decisão ecoa uma dura realidade: a justiça tem limites diante da lógica implacável da viralização.

O segundo caso teve repercussão internacional. Andy Byron, CEO da empresa de tecnologia Astronomer, e Chelsea Stoner, CPO da mesma empresa, foram filmados aos beijos durante um show do Coldplay em Boston. O detalhe: ambos são casados, mas não entre si. As imagens se espalharam com velocidade, culminando no afastamento de Byron do cargo e numa intensa exposição midiática de suas vidas privadas. O caso evidenciou um vácuo legislativo: o estado de Massachusetts, onde o episódio ocorreu, não possui uma lei estadual de privacidade que pudesse proteger os envolvidos nesse tipo de situação.

Esses episódios se entrelaçam a um debate que ganhou nova força com a recente decisão do Supremo Tribunal Federal sobre o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Por maioria, o STF concluiu que provedores podem ser responsabilizados civilmente por conteúdos ilegais publicados por terceiros, mesmo sem ordem judicial, desde que haja indícios claros da ilicitude do conteúdo. A decisão reforça o peso que as plataformas carregam ao atuar como guardiãs da legalidade.

Mas, apesar dos avanços normativos, o que se vê é um sistema jurídico ofegante, tentando correr atrás de uma tecnologia que nunca espera. Um vídeo publicado hoje pode alcançar milhões de visualizações antes mesmo que um advogado protocole a petição inicial. E, uma vez viralizado, não há jurisprudência nem tutela inibitória que dê conta de apagar sua existência.

A privacidade, outrora protegida pela intimidade dos lares e pela lentidão da comunicação analógica, hoje se desfaz num clique. Vivemos numa sociedade em que o indivíduo não apenas é vigiado: ele também vigia. Somos todos agentes e alvos, simultaneamente. A câmera virou extensão do olhar e o julgamento moral se tornou espetáculo.

A pergunta que resta é incômoda: será que a privacidade, como ideal jurídico e filosófico, ainda sobrevive? Ou estamos apenas assistindo aos últimos suspiros de um direito que já não encontra lugar na lógica da viralização e do capital da atenção?

Quando qualquer um pode ser exposto publicamente sem aviso, sem defesa e sem retorno, resta ao Direito apenas a função simbólica: de registrar o lamento. No tribunal da internet, o dano é instantâneo, o arrependimento é tardio e a reparação, muitas vezes, impossível.

Talvez estejamos diante de uma nova era, em que o verdadeiro direito à privacidade seja o de não ser interessante o suficiente para viralizar. E essa, ironicamente, pode ser a única garantia real de proteção hoje.

 
 
 

Comments


  • Whatsapp
  • Instagram
  • alt.text.label.LinkedIn

©2023 por Hiago Cordioli. 

bottom of page